Dessincronia


Dese(mpe)nho

O desenho é a metodologia e o resultado do trabalho de Diogo Pimentão, mas não, necessariamente, o centro do seu processo.

Cada desenho é o resultado de um desenvolvimento a que podemos chamar performativo, mesmo quando a sua marca gráfica não é oriunda de uma performance que o artista realmente execute no espaço expositivo – embora isso também possa acontecer.

Digamos que cada desenho, ou cada série de desenhos (como também cada escultura, ou cada instalação) correspondem a um determinado desempenho de uma ação, ou de um conjunto de ações que, repetidamente, ensaiam uma possibilidade de afinar um procedimento cujo sentido só se manifesta na imanência da marca mas que parece sempre ser-lhe anterior.

Esta noção de afinação progressiva pela repetição está sempre presente, como a realização de um esforço para uma execução de um trabalho de precisão, cuja razão de ser reside na sua ficcional dificuldade. Assim, para cada procedimento, Diogo Pimentão define um conjunto de parâmetros, um conjunto de gestos possíveis que, quando repetidos, desenvolvem uma proficiência muito específica – tão específica que não constitui nenhum tipo de técnica, mas ganham uma exemplaridade, por vezes rodeada num mistério irónico sobre a sua faktura.

A forma é, portanto, um resultado necessário de uma alta performatividade não canónica, que se exerce no limiar do fracasso, da dificuldade ficcional de um virtuosismo sem orgulho, quase operário.

Podemos, portanto, concluir que a performance é a metodologia e o resultado do trabalho de Diogo Pimentão e que, por vezes, o desenho é o centro do seu processo.

Delfim Sardo, Janeiro de 2011

 

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

 

 

Ciclo Negro

Neste primeiro episódio do Ciclo das Cores o CAPC propôs-se desnudar o Negro, mostrá-lo no seu estado cru, comportamental: O Negro em vida, como facto multidimensional feito de adversidades e dissidências.

Muitas vezes associado no tropismo teleológico do Modernismo, ao cul de sac da pintura auto-referêncial, ao labirinto autotélico de que o Quadrângulo Negro (1915), a paisagem da inobjectividade, de Kasimir Malevitch constituía uma espécie de emblema liminar (quantos saberão que essa imagem nasce do seu Alogismo (um avatar pictural cubo-futurista do Zaoum, da transracionalidade do poeta modernista russo Velimir Khlebnikov) mas sobretudo dos inúmeros estudos cénicos para a opera Vitória sobre o sol (1913) de Mikhail Matiouchine?), o Negro possui um conteúdo milenar e heterodoxo. Na racionalidade kantiana teve um sentido bem diferente daquele que alcançou na Mesopotâmia dos Assírios. Hoje, neste princípio de século, ciber-gótico, onde as chaminés do fordismo já não são os obeliscos dos novos tempos, em que as identidades secundárias, as second lifes e o empobrecimento da experiência se tornaram uma rotina, qual o significado do Negro?

O Negro é uma vítima da guerra dos mundos onde o choque entre ordem e caos, nascimento e morte, verbo e dilúvio, energia e repouso, adquiriram uma dimensão política polarizando-se no agonismo entre o bem (“Nós”) e o mal (“Eles”), entre atenienses e metecos, entre a pertença étnica e o desenraizamento do sujeito migrante. O Negro é um condenado à oração silenciosa, espancado pelo lugar-comum (“bárbaro, imperfeito, informe, incompreensível, irrelevante”—grita-lhe a racionalidade dos administradores).

Que significado e alcance possuiria para Galeno este sólido condenado a absorver todos os outros sólidos? E para Simmel, o caracterizador do atomismo e desorbitação da subjectividade metropolitana? O seu Negro seria nervoso, calculista, sintético? Como é uma cor calculista?

 

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

Exposição Dessincronia, no Círculo Sereia

 

Que significado em 1908, no Trocadéro, com Derain ao seu lado, teve a palavra Negro para Picasso? Talvez o verdadeiro Deus…do reencontro entre identidade e representação, o Deus das correspondances de que falava Baudelaire.

Porque será que o encarniçamento da má-sorte, a vida sem segunda oportunidade, a promiscuidade (e também a dança, a sensualidade que nos segura a vida) é tutelado nos contos infantis eslavos,por uma mulher morena, caucasiana, de cabelos profundamente negros? E tu Lobo Mau porque és negro e oleoso? E tu Branca de Neve porque nunca foste uma princesa Tchokwe?

O negro aparece como uma construção brutalista, um túnel (caverna?) ente dois pontos luminosos (duas estações), o Negro é alteridade. Precisamos de um mapa do negro onde o impalpável e o intocável sejam lugares de fronteira. O CAPC busca nesta cor sem objecto iniciar as primeiras coordenadas desse trabalho.

E na morte de uma Laranja quando é que o Negro, o irreversível se anuncia?

Pedro Pousada, Janeiro de 2012