Empty Cube
Dois espaços, um degrau e um alerta
O projecto que Gonçalo Barreiros concebeu para o EMPTY CUBE tem como matriz um interesse nas relações entre o trânsito do corpo do espectador, numa perspectiva dinâmica mas voluntária (o visitante), e o espaço dotado de características arquitectónicas. Na sua obra é comum observar-se acções ou alterações do espaço que muitas vezes convocam uma aparente ausência de um propósito expositivo explícito, contribuindo deste modo para recuperar a discussão sobre a taxionomia do espaço expositivo e o seu correlato com o espaço público, questionando a sua fruição enquanto lugar de apresentação do objecto artístico.
O espaço construído, que o artista trabalha e utiliza para apresentar a sua obra, é sujeito a uma transformação que o converte num contexto reflexivo. Condição suficiente que conduz o pensamento do autor no sentido de produzir elementos escultóricos, sejam estes concretizados em objectos físicos ou imateriais (sonoros), que intersectam e recontextualizam esse mesmo espaço numa câmara de variações de sentido que actuam sobre a consciência do espectador.
A obra nº 17, realizada na galeria do CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, vai ao encontro das relações que se estabelecem no espaço arquitectónico com a presença do visitante, focando a sua intervenção no espaço do EMPTY CUBE, que por uma noite se assume como espaço invasor da galeria. Gonçalo Barreiros introduz uma alteração no espaço interior do Cubo (que constitui o espaço temporário do EMPTY CUBE), através da redução da sua cota no eixo vertical. Ou seja, a redução da medida da altura da construção opera uma diferenciação em relação ao espaço da galeria e é precedida por um degrau em mármore, especificamente desenhado para este acontecimento, que confere a esse acesso uma outra perspectiva pela utilização de um material nobre e perene que contraria (e ironiza?) a efemeridade que caracteriza o próprio evento.
A acção de desnivelamento do chão do cubo, associada a uma sinalização sonora da presença do corpo do visitante na passagem da galeria para o espaço interior do cubo, recupera o questionamento sobre as ligações entre o espaço expositivo e a exposição como uma oportunidade crítica de se repensar nas suas premissas operativas.
Esta interdependência assenta na forma e nas condições do espaço (na recontextualização da arquitectura e nos seus limites) que Daniel Buren propõe num ensaio publicado em 1975 e do qual cito a seguinte passagem:
“Every place radically imbues (formally, architecturally, sociologically, politically) with its meaning the object (work/creation) shown there. Art in general refuses to be implied a priori and so pretends to ignore or reject the draconian role imposed by the museum (the gallery), a role both cultural and architectural. To reveal this limit (this role), the object presented and its place of display must dialectically imply one another”1 .
É igualmente relevante pensar no título deste projecto. O nº 17 poderia, eventualmente, ser associado a uma referência toponímica, uma evocação de um lugar que reencontrasse a sua reinterpretação nesta intervenção. Ao invés, trata-se da medida do degrau (medida padrão) que constitui a alteração materializada na arquitectura do cubo. Forma poética e disruptiva de traduzir na linguagem escrita um contexto e um lugar de passagem.
Contudo, a intervenção de Gonçalo Barreiros contém ainda uma outra face, que convoca o universo dos lugares de consumo e os habituais sistemas sonoros (também estes padronizados, como a medida do degrau) de controlo, cujo tilintar alerta para uma presença ao transpor a porta, uma linha de fronteira entre lugares ou contextos.
João Silvério, Janeiro 2013