Linha de chão



Rui Neto apresenta em «Linha de chão», uma exposição com curadoria de Delfim Sardo, um conjunto de projetos efetuados nos últimos anos, que exploram a ferramenta do desenho como meio de interpretação e representação do espaço e que têm como «linhas» de orientação da sua produção as noções de limite e poder.

Rui Neto tem desenvolvido um extenso trabalho em desenho que assume quase uma forma diarística, embora específica e quase exclusivamente centrada na fisicalidade do espaço que percorre.
A sua abordagem do desenho, realizado com uma exímia qualidade gráfica, parte sempre de duas tónicas recorrentes: o ponto de vista sobre uma entidade física da cidade (um muro, uma sequência de fachadas, o chão), tomado a partir do exercício do olhar, e uma certa forma de cartografia das entidades representadas. A complexidade da sua formulação do espaço, a relação topológica que os seus desenhos propõem e a atenção quase obsessiva ao detalhe são inerentes à sua formação como arquiteto, bem como à sua prática como investigador em arquitetura, embora nunca espartilhem ou convertam o seu desenho num exercício de estilo vinculado ao projeto ou mesmo ao gesto.
Nas séries de longos trabalhos sobre segmentos da cidade é recorrente a exaustão do espaço urbano e o palimpsesto temporal que resulta no chão que pisa, ou nos muros e nas fachadas que observa, quase como se de um exercício de desenho antropológico e científico se tratasse. À semelhança da ilustração científica, pelos seus trabalhos passa uma possibilidade de conhecimento do espaço muito superior àquela que se poderia encontrar no uso da fotografia e do filme (que, aliás, usa como forma de preparação dos trabalhos).
Noutros desenhos, porém, uma dimensão especulativa surge nos cortes dos edifícios que resultam numa possibilidade de definição de espaços que ostentam sempre marcas de um uso, microficções possíveis e conexões improváveis.
Nestes casos, os seus desenhos parecem convocar a memória de Georges Perec, ou um cenário para capítulos nunca escritos de A Vida, Modo de Usar.
Recentemente, tem vindo a desenvolver um trabalho acerca das traseiras de altares barrocos, tornando visíveis as camadas de suturas, aglomerações quase caóticas de madeiras, composições caóticas de reparações que resultam numa outra visão do barroco, trazendo à superfície do papel a organicidade e o aleatório que fascinaram artistas como Lucio Fontana ou Gordon Matta-Clark.
Porventura, a chave para a compreensão do método exaustivo do seu trabalho em desenho reside nos cadernos que vai preenchendo, única ocasião em que contactamos com o seu exercício do desenho à vista e, nesse sentido, tornando visível a forma como toma um ponto de vista, como concebe a representação do espaço, como a narração está presente — mas também como o desenho é, para Rui Neto, a prática de uma teoria a partir da linha.

Delfim Sardo

Linha de chão

Rui Neto nasceu na Figueira da Foz em 1977. É licenciado em Arquitetura, mestre em Desenho pela Faculdade de Belas Artes do Porto e, atualmente, doutorando na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, onde é investigador no Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, no grupo Arquitectura: Teoria, Projecto, História (ATPH-FAUP). É assistente convidado da Faculdade de Arquitetura do Minho desde 2009 e da Faculdade de Belas Artes do Porto desde 2014, e foi assistente da Universidade ETH de Zurique entre 2007 e 2009. 
Desde 2009, tem participado em várias exposições, das quais se destacam as individuais Au front, Saison Portugaise à Arras, França (2011); Para além da parede, Espaço Campanhã, Porto (2012); Interstícios Urbanos, 1º AVENIDA, Edifício AXA, Porto (2013); Entrelinhas, Estúdio UM, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Minho, Guimarães (2013); Entre Actos, Circo de Ideias, Porto (2015); Cerca, Fundação Júlio Resende – Lugar do Desenho, Porto (2016); e as coletivas Um encontro inesperado com o diverso, Espaço Mira, Porto (2012), A força do real que há-de vir, Bienal da Maia, Lugares de Viagem – Momento III, Maia (2015).