Prova de Estado


Prova de Estado [Croft] Cartaz

«Tenho diante dos olhos uma série daquilo que os gravadores denominam “prova de estado”: os múltiplos ensaios a que o artista submete a placa de cobre, os ensaios múltiplos a que a pressão do rolo da prensa submete o papel empapado em tinta. E de novo me surge uma pergunta: a que se deve a multiplicidade das ações? A que se deve a insatisfação do artista que, uma e outra vez, como nos textos antigos, diz para si mesmo: “não é isto, não é isto” e, nas longas horas de atelier, começa de novo. Que relação mantêm as duas perguntas: margem e espaço de liberdade, por um lado, e “prova de estado”, por outro? Pode haver uma obra de arte que escape à “prova de estado”? Trata-se de uma prova de quê? De algo que se pretende definitivo? Acaso uma pretensão, o chegar a uma conclusão ou perfeição da ação sobre as coisas do mundo? Não me parece que o artista, tal como o filósofo e também o poeta, possa aspirar a algo mais que o ensaio: a prova de estado. Toda a sua vida é uma paciente leitura dos gestos da criação, a partir do movimento dos céus, dos movimentos da natureza e dos estados em que esta larga e abandona os seus seres; um cuidadoso olhar aos misteriosos animais que, com o seu desassossegado vaivém, nos deixam ainda mais perto do campo da interpretação; e a vida do artista é também uma combinação elaborada dos gestos, dos olhares e dos estados de alegria, compaixão, dor e indiferença que nós, os humanos, esboçamos no dia-a-dia.
Sim, uma prova de estado que ponha à prova o estado da criação, que tome o pulso à vida enquanto só movimento, enquanto dinâmica fiel do devir, no qual o que acontece em nada se diferencia do mesmo acontecimento. (…)
Parece-me que o trabalho de Croft com as suas provas de estado é um testemunho muito singular da renúncia em dar por definitiva a criação. Mais parece que, no seu estado de prova contínuo, se situa esperançosamente numa criação em devir constante, num fazer com que a obra vá sendo: moldando curvas nunca vistas até então, enrugando as texturas como protesto perante razões nem claras nem distintas, incisando no cobre como o mineiro que desce a níveis cada vez mais fundos da terra, isto é, tornando contínua a sagrada conversação da palavra criadora na sua atualização sempre necessária.»

Amador Vega
excerto do ensaio “José Pedro Croft: Prova de Estado”

 

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Prova de Estado | José Pedro Croft | Círculo Sereia
Fotos: © Jorge das Neves