A vanguarda está em ti
55 Anos do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra | Fragmentos de uma Colecção


A VANGUARDA ESTÁ EM COIMBRA 

A VANGUARDA ESTÁ EM TI 

CAP ou C.A.P. …eis as letras a fixar se o leitor for um dia a Coimbra, e quiser falar «a pretexto de arte” com gente das “artes”. Artes de acção, belas-artes,malas-artes de liberdade: de encontro consigo próprio. E com os outros. Aliás.”a individualidade é uma relação que se dirige a si próprio” (ó! Kierkegaard meu amigo), e os outros, como encontrá-los senão em si próprios?

Mas este encontro tem muito pouco a ver com as (consagradas) Belas-Artes, a Pintura, a Escultura, o Desenho, a Música, o Cinema, e etc. … A todos estes entretenimentos se aplica bem a palavra recente de Rossellini , em Lisboa proferida (e que devia ser emoldurada pelos tontos cinefilistas… mas não é, não o vai ser): “Acho de facto que o cinema hoje já não interessa!” Pois não. Nem a pintura, nem etc.

O que interessa não é toda essa pasmaceria de técnicas e alienação, beleza labirinticamente pré- constituida e pré estabelecida; esse caminho para todas as Academias (e para a economia do mercado, bem entendido). O que interessa é a tal descoberta, a qual só pode ser conseguida num exercício total do corpo e do espírito, das mãos e da cabeça.

Esse exercício é a prática quotidiana do CAP. Sim o CAP ali em Coimbra à Rua Castro Matoso, mesmo em frente da Clépsidra. O leitor vá lá beba um café na Clépsidra e pergunte. Pergunte, porque “eles” não têm horas. Pergunte pelo Dixo, ou pelo Túlia Saldanha. Ou pelo Alberto Carneiro, que nesse dia talvez tenha vindo do Porto. Ou pelo Armando Azevedo, se já acabou a “tropa”, ou pelo José Casimiro, Teresa Loff, outros alguns outros. Às vezes eu também dou lá uma saltada. Pergunte, e não esteja à espera de nada bem definido. Não esteja à espera de ir ver uma exposição ou ouvir um concerto bem afinado- porque, enfim, tudo isso pode acontecer… ou talvez, simplesmente, você vá conversar um bocado, e à noite comer um petisco à casa da Túlia. Ou talvez…quem sabe? Você vá até ao CAP exercer-se com pincéis e lápis de cor. Lembra-se, quando era “miúdo”. Você também pintou coisas?… E agora? Você com certeza não anda lá muito feliz, com essa história da gasolina e o resto: por que não tentar então reconquistar esse tempo de inocência e vigor? E olhe que isto talvez não seja fugir aos problemas, talvez Você os venha a enfrentar depois com novas forças. De resto. Você tem a certeza que não, no seu dia a dia, não anda, precisamente, a fugir aos problemas?

Bem, para seu sossego, devo dizer-lhe que o CAP é uma instituição respeitável, tem subsídios da Gulbenkian e tudo. E até vou dizer-lhe (em segredo) o que significa as letras CAP:

Círculo de Artes Plásticas. “Artes Plásticas”? Deixe lá, é uma designação antiga e do sistema.

Mas as palavras não mordem, o sistema sim mas podemos (devemos) defender-nos. É o que tentam fazer os “plásticos” do CAP. Entretanto, nesta história de defesa mais uma coisa lhe sugiro, lembre-se da Napoleão: “Só a ofensiva conduz à vitória.”

Nas fotografias Você está a ver a gente do CAP. A pintar. Em grupo, ou individualmente. Em grande liberdade. Foi uma sessão de pintura total: acabaram por se pintar a eles próprios. Também pode acontecer. A sessão (o acontecimento, o “happening”, a “performing art”… como quiser designar a coisa) chamou-se “Guerra das Tintas”. A 17 de janeiro vai la haver (ou já houve) uma oferta, “a pretexto da arte” É uma ideia e um convite do Robert Filliou. E meus e do CAP também.

 

Cartaz das exposições A VANGUARDA ESTÁ EM TI, no Centro Cultural de Ílhavo, no Círculo Sereia e no Museu Municipal Edifício Chiado

Cartaz das exposições A VANGUARDA ESTÁ EM TI, no Centro Cultural de Ílhavo, no Círculo Sereia e no Museu Municipal Edifício Chiado

 

apêndice 

ARTE NA RUA “Semana da Arte (da) na Rua”, promovida pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Maio/ Junho, 1976. 

Num dos seus ensaios Edgar Morin refere-se às pessoas e classes que subsistem a roer, diligentemente, “um osso do passado”. Esta atitude é mais frequente do que se pode imaginar, ou simplesmente… dizer. Porque o passado nos espreita a cada porta do presente, vem por ínvias novidades tanto como na redundante segurança do saber já comprovado. Uma das manhas do passado é afirmar que o moderno já foi, exageradamente foi, e agora o que é preciso é restabelecer o equilíbrio. Ora o moderno é o exagero por definição, e já estou a pensar no domínio das artes visuais. Sade (atraiçoado genialmente por Pasolini) diria que o exagero justifica tudo…

O exagero. Por exemplo, viver em Coimbra, ser de Coimbra, “a cidade nossa delas” e ousar uma actividade (visual ) que excede todas as medidas ( das Cidade, da rua) devolvendo as pessoas à dimensão perdida (ao Paraíso Perdido)… à Festa – eis o exemplo de um total exagero, de uma clara modernidade. Oportunidade única, talvez impossível de repetir tão cedo, porque também aqui foi necessário reunir factores altamente contraditórios: um poder contaminado pelo poética desta gente, e esta gente (por vez uma pessoa só) contaminado também por uma esperança contracultural que é a Poesia toda, que é cantar como Camões. “a gente surda e endurecida..” metida apenas no “gosto da cobiça e na rudeza / De hua austera, apagada e vil tristeza”.

Um exagero. Um exagero reunir na mesma função as crianças a pintar na rua e a Banda Filarmónica do Quartel General da Região Militar do Centro ; Ranchos Folclóricos daqui e dali, a Anar-Band do Porto e o  “Luis Vaz” (que termina evocando a “Lira Destemperada” da Camões); o C.I.T.A.C. e a Casa da Comédia; marchas de encapuçados e a porta sempre aberta (da sede do C.A.P.C) para a reflexão, para o convívio, para as raras acções de body art que se fizeram até agora neste país…

Para compreender como isto é possível seria necessário, em primeiro lugar, fazer um curso sobre Coimbra, uma cidade onde a luta de classes em permanente convulsão é directamente cultural, mas com um pundonor e um brio que não são apenas universitários. Seria necessário atentar demoradamente nesse fenómeno, quase único em Portugal no seu género: o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra. Trata-se da única “sociedade artística” deste país que mantém um espírito de work-shop, que não foi possível conseguir nem em Lisboa como, por exemplo, a S.N.B.A.; nem no Porto, como, por exemplo, a Cooperativa “A Árvore”. Seria necessário historiar as muitas actividades passadas deste Círculo, desde a exposição colectiva “Coimbra Nossa Deles” ao “Aniversário da Arte”; os Cursos Livre, orientados principalmente por professores da E.S.B.A. do Porto. Ângelo de Sousa, João Dixo, Alberto Carneiro, etc. Estes precedentes explicarão, em parte, o êxito da iniciativa, mas é preciso ir mais longe:

Quem fez aqueles magníficos diapositivos da “Arte na Rua”? Há sempre alguém por descobrir num trabalho “aberto”; e como dizem os nossos amigos de Coimbra “ A ARTE pode ser a VIDA.

Ernesto de Sousa

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Exposição A vanguarda está em ti, no Museu Municipal Edifício Chiado

 

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Exposição A vanguarda está em ti, no Museu Municipal Edifício Chiado