O Mapa do Mar


As obras seleccionadas para a exposição no CAPC, dizem respeito a uma das tipologias presentes na produção de Fernando Calhau ao longo de todo o seu percurso artístico e que tem, no corpo da sua obra, um lugar maior – o Desenho.

Diríamos que o desenho aparece na obra de Fernando Calhau como uma espécie de respiração, de impulso respiratório ritmado, ora cambiante ora repetitivo e percorre todo o seu fazer manifestando-se tanto como elemento preparatório para a edificação da obra (estudo, esboço, apontamento), quanto como obra ela mesma.

Datadas de entre o final dos anos 70 e o princípio dos anos 80, apresenta-se um vasto conjunto de páginas pertencentes a uma série de trabalhos em que   a representação arquitectónica e escultórica e a sua relação com a luz (que a dá a ver), são a matriz para a sua concepção. Produzidas e expostas pela primeira vez numa exposição individual na Galeria Quadrum (com o título Desenhos), faziam-se acompanhar, no âmbito da exposição, por alguns dos elementos escultóricos a que fazem referência (ou de que, talvez, são referente). Funcionando nessa fronteira ténue entre obra final e ensaio preparatório, concentram em si algumas das questões mais prementes do seu percurso – a preocupação com o espaço e com a sua representação, o apagamento das formas tanto através da ausência de luz quanto da acumulação de matéria, o minimalismo e o estudo das suas particularidades formais, ou a presença da noite na sua dimensão mais simbólica.

Também o seu desenho pensa a Pintura, ou é também através dele que Calhau pensa a Pintura. Numa série de desenhos, de grandes dimensões, datados de 2002 e apresentados pela primeira vez na exposição Um passo no escuro (que realizou com Rui Chafes, no Pavilhão Branco do Museu da Cidade, em Lisboa), Fernando Calhau explora a ideia de monocromatismo usando toda a superfície do papel, onde sobrepõe vigorosamente inúmeras camadas de milhares de linhas de carvão até chegar a um quase negro total. O mesmo acontece num conjunto de desenhos quadrados ligeiramente anteriores e que estabelecem uma interessante relação com um conjunto de pinturas negras quadradas (que se apresentam, também nesta exposição, no espaço do Colégio das Artes).

Através destas obras pode confirmar-se, por um lado, o enorme espaço de liberdade que o desenho ocupou no percurso do artista – muito evidente   na curiosidade da presença dos dois desenhos de 1989 que, de forma viva e espontânea, parecem representar uma baleia –, e por outro, o muitíssimo dotado desenhador que Fernando Calhau foi e o quanto a disciplina se constituía para si como ferramenta operativa de pensamento.

 

 

 

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

Exposição O Mapa do Mar, no Círculo Sereia

A exposição O Mapa do Mar de Fernando Calhau é o resultado de uma parceria entre o Centro de Artes Visuais, o Círculo de Artes Plásticas e o Colégio das Artes da Universidade de Coimbra e espalha-se por estas três instituições, em cada uma sendo exploradas diferentes facetas do trabalho e do legado de Fernando Calhau no ano em que se cumprem 10 anos sobre o seu prematuro desaparecimento.

Nascido em Lisboa em 1948, Calhau iniciou muito jovem o seu percurso artístico, em 1966. Com um primeiro momento de interesse pela gravura, ingressou na Escola de Belas Artes de Lisboa que concluiría em 1973 para rumar a Londres no sentido de estudar gravura na Slade School com Bartolomeu Cid dos Santos que aí leccionava.

De regresso a Portugal na sequência do 25 de Abril de 1974 (como muitos outros artistas), Calhau desenvolveu um percurso múltiplo que foi sendo conciliado com o seu trabalho como responsável da área de artes visuais da Secretaria de Estado da Cultura – lugar que assumiu em 1976 e limitou imenso a visibilidade do seu trabalho.

Durante a década de setenta, Fernando Calhau passa da prática da pintura a um interesse pela fotografia e pela utilização do filme super 8mm e do vídeo para, no final da década, desenvolver uma importante exposição (Night Works) na qual fotografia, pintura monocromática e néon se cruzam.

Durante as décadas de oitenta e noventa viria a optar novamente pela pintura, agora combinada com estruturas de aço e por vezes palavras em néon em obras que possuem uma escala e uma assertividade raras.

O desenho também acompanhou o seu percurso de uma forma regular, constituindo quase um mapa das suas preocupações e pesquisas, articulando-se com a pintura e a sua pesquisa espacial.

Fernando Calhau foi, desde 1997, diretor do Instituto de Arte Contemporânea, estrutura que concebeu e fundou, e, nesse sentido, a sua obra viria a ter uma escassa presença em exposições, embora continuasse a produzir.

Em 2001, já gravemente doente, realizou uma exposição retrospectiva da sua obra no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (Work in Progress) da qual foi editado um catálogo com uma longa entrevista reveladora de muitos aspectos menos conhecidos do seu percurso.

Fernando Calhau viria a falecer em 2002, tendo ainda efetuado uma exposição com o escultor Rui Chafes (Um passo no escuro).