diante de mim, mais demorada do que nunca


Factos que permanecem

O título: “diante de mim, mais demorada do que nunca”, aponta sobretudo para a imagem como facto, a imagem com algo que é, mesmo. Algo que estará diante de si, ou antes, diante de “mim”, referindo-se este sujeito, na primeira pessoa, ao próprio autor, ou mesmo ao espectador que, ao sê-lo, vai actualizando esta condição de ter algo diante de si. Ou de “mim”, este “mim” que toma o corpo de cada um que veja estas imagens.

São pinturas onde se intui serem imagens de imagens, que reproduzem o que foi visto (e que persiste, demoradamente). Imagens “diante de mim”, mesmo. Que serão certamente “mais demoradas do que nunca” por serem pintura. Mas que, ao afirmarem essa condição, afirmam ao mesmo tempo uma origem objectiva, mas de instantes que se prolongam, indefinidamente.

 

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Exposição diante de mim, mais demorada do que nunca, no Círculo Sede

 

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Exposição diante de mim, mais demorada do que nunca, no Círculo Sede

 

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Exposição diante de mim, mais demorada do que nunca, no Círculo Sede

 

E, nesta condição de ser mesmo (algo que está perante os nossos olhos, aqueles olhos do “ver para crer” e não os que colhem as aparências) a objectividade é aqui sublinhada pela afirmação dos corpos, afirmação dos corpos pelas marcas da violência, pela afirmação da sua condição anatómica, pela morte, ou pela forma como a ideia de natureza morta aqui assume um sentido literal.

De certa forma, João Nora ensaia a possibilidade de anulação da memória, na sugestão de momentos que permanecem presentes. Como se o curso do tempo não desse origem à sucessão de acontecimentos, mas onde cada instante permanecesse. Não dando lugar a outro, mas mantendo a sua presença, numa densidade imensa de realidades simultâneas. Ali, perante os nossos olhos, ao ponto de não haver mais memórias, porque tudo permaneceria, objectivamente. Talvez a própria mente se transformasse noutra coisa ao ver a sua capacidade de lembrar destituída de qualquer sentido.

E a obra de arte como dispositivo de densificar o mundo objectivo. As suas imagens como factos, como factos cuja objectividade é acrescida pelo facto de permanecerem.

António Olaio – Coimbra, 02.01.2015